A greve como parte do currículo


O orientador de Estudos professor Alex Borges Alano e seus professores cursistas, do curso PNEM/SC, escreveram o texto abaixo, sobre a greve dos professores de SC e uma relação com o caderno do curso.
 
                                                       A greve como parte do currículo

O caderno de Linguagens, da II etapa do PNEM, nos propõe uma reflexão sobre o currículo, a metáfora da árvore e o fazer pedagógico e sua relação com a formação humana integral dos estudantes (p. 41).
A formação humana para ser integral precisa ultrapassar os muros da escola. Sabemos que o professor ensina mais que a matéria que leciona, pois somos professores mesmo fora das salas de aula. Nossa postura perante às questões sociais, em nossas relações humanas, expressam nossos valores fundamentais e demonstram na prática nossa coerência ou hipocrisia.
Buscamos nos estudos do PNEM melhor preparo para propiciar aos nossos estudantes uma educação que lhes permita o desenvolvimento das faculdades necessárias ao pleno exercício da cidadania. Ser cidadão pleno é ter autonomia intelectual, capacidade de buscar e desenvolver conhecimentos de forma crítica e consciência dos direitos e deveres. Além de condições de aplicar esses conhecimentos na conquista, manutenção e ampliação dos direitos e contribuir na construção de uma sociedade dentro dos parâmetros desejados coletivamente.
Para isso, além do conteúdo disciplinar, importam também os métodos, os objetivos e os valores presentes na base do processo, partes integrantes do currículo escolar, como nos lembra a referida metáfora da árvore.

“As reflexões que contemplem a árvore no seu todo podem ser relacionadas à ideia de currículo como processo político, permeado por questões ideológicas e, assim, de poder, conforme nos lembra Silva (1999). O olhar para as folhas, nessa perspectiva, não ocorre de forma isolada do todo, mas sim a partir da ideia da atividade pedagógica como atividade complexa. Pensar em conteúdos e técnicas demandará, nesse sentido, a reflexão sobre o que fazemos, aliada à problematização acerca do modo como fazemos e do por que fazemos da forma como fazemos. Não menos importante é a reflexão sobre os impactos que nossas escolhas e ações podem vir a ter na vida dos estudantes e da sociedade como um todo”. (Etapa II – Caderno IV: Linguagens, p. 40 – grifo nosso).
Queremos uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade. Para garantir isso, precisa haver investimentos massivos na estrutura material e na formação e remuneração adequada dos trabalhadores e trabalhadoras em educação. Contudo, o atual governo ameaça reduzir o investimento na educação e retirar direitos do magistério. Ação que resultará em precarização do trabalho e, consequentemente, diminuição da qualidade dos serviços prestados. É notório que professores adoecidos pelo excesso de atividades e mal remunerados não terão condições de zelar pela qualidade do ensino.
Não se trata, portanto, somente dos direitos dos professores e professoras, mas do direito de todos nós, cidadãos e cidadãs. Aqui cabe o destaque na citação acima, pois fazer ou não a greve tem uma consequência direta na vida dos estudantes e da sociedade como um todo. Traçando um paralelo entre professor grevista e não grevista, podemos dizer o seguinte: o primeiro ensina que quem não luta por seus direitos, não é digno deles; o segundo, ensina a submissão à ditadura; um, sacrifica o próprio presente (salário, cansaço, aula...) para salvar o futuro coletivo (carreira, condições de trabalho, qualidade da educação...); outro, prefere salvar o que é seu, sacrificando o futuro de todos; o grevista honra o compromisso com as gerações anteriores, que lutaram pelos atuais direitos; o não-grevista põe no lixo décadas de lutas; o primeiro mostra que devemos ocupar o espaço que conquistamos; o segundo insinua que devemos aceitar o espaço que nos é imposto; enfim, o professor grevista se torna exemplo de que podemos ajudar a escrever a história do jeito que queremos; o professor não-grevista se faz marionete dos que estão no poder e conduz os estudantes a viver uma história que outros escreveram.
Por essas razões, afirmamos que a greve faz parte do currículo, seja pelas motivações que conduzem ou não o professor à ela, seja pelos efeitos que sua realização ou não provoca na vida dos estudantes e da sociedade. Não apesar de, mas por causa de todas as contradições surgidas ao longo e ao largo do movimento grevista, este se torna espaço e momento privilegiados de formação cidadã. As assembleias, as passeatas, os debates nas redes sociais, os confrontos políticos enfim, evidenciam grupos e interesses opostos nas disputas pelo poder, apontam líderes positivos e negativos e transparecem as coerências e ou contradições entre seus discursos e práticas.
Por outro lado, as propostas dos governos e suas reações às manifestações grevistas demonstram seu posicionamento perante às lutas de classes e sua afinidade ou não com a democracia que tanto almejamos.
Pressupondo a prática como critério da verdade, isso tudo possibilita aos estudantes enxergarem como se dão as disputas pelo poder, que mantêm ou transformam a sociedade na direção dos grupos vitoriosos. Permite-lhes avaliar cada agente social, individual e coletivamente, e tomar uma posição consciente nessa disputa, saindo da posição de meros espectadores.
Assim, podemos concluir que professor lutando também está ensinando.

Referência:
Brasil. Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, Etapa II - Caderno IV: Linguagens / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica; [autores: Adair Bonini... et al.]. – Curitiba: UFPR/Setor de Educação, 2014. 47p.


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