Revista Literária e Concurso Literário da ACLe


Participei do XX Concurso Literário da Academia Criciumense de Letras e fui classificada com Menção Honrosa com o conto: Encontrei um Orixá.




CONTO: ENCONTREI UM ORIXÁ

 Estava andando pela estrada, muito distraída, olhei para o céu e vi que a lua cheia iluminava o caminho. Resolvei descer do ônibus na estrada geral e ir andando a pé até a casa do meu namorado, já era tarde da noite, eu vinha da faculdade e nem tinha avisado que chegaria naquele horário e na sexta-feira.

Comecei a sentir um arrepio, a casa ficava num sítio e o caminho era longe da estrada e até a casa dele devia ter dois quilômetros. Tentei me acalmar, mas lembrei das histórias de assombração de meu avô. Droga, porque isso veio na minha mente agora? Comecei a rezar e pedir auxílio para os santos e anjos.

Olhei pra frente, tentando parecer calma e avistei um senhor sentado num tronco de madeira, fumando com chapéu e uma capa. Continuei olhando aquela figura estranha, mas pensei: deve ser um vizinho esperando alguém vir a pé também. Mas não vi ninguém descer do ônibus e andar na mesma direção que eu.

As pernas começaram a tremer ainda mais, fui chegando perto e me arrepiando dos pés a cabeça e já me arrependendo da minha visita surpresa para o namorado.

Dei boa noite ao senhor tentando aparecer tranquila e ele me disse:

- Boa noite, moça bonita, a noite está linda mesmo, essa lua é para iluminar teu caminho.

Olhei fixamente no olho dele, notei que era um senhor alto, bonito, tinha uma capa preta com fundo branco, o chapéu era preto também e fumava um charuto com cheiro bom. Perguntei:

- O senhor mora aqui perto? Tem várias casas nesse vilarejo né? Eu estou indo ao encontro do meu namorado que mora aqui também. Ele deve estar chegando.

- Sim eu sei. Disse-me ele.

- Você o conhece? Já me viu por aqui então.

- Sim sempre estou vendo tudo e cuidando de tudo e de todos.

- Então o senhor é o vigia da rua?

- É, como se fosse.

- Como é o seu nome?

- Me chamam de Flerity, atuo na esquerda da lei, abrindo caminhos daqueles que são merecedores dessa dádiva.

- Como? Não entendi!

- Você vinha caminhando e me pediu ajuda. Eu vim. Eu só venho se me chamam.

- De certo, eu vinha rezando para os santos e anjos, mas não denominei ninguém.

- As pessoas são assim mesmo, na hora do medo chamam e depois não entendem ao chamado que fizeram. Você mortais são engraçados.

 - Você não é mortal? Quem você é então?

- Como você gosta de histórias, vou te contar. Senta aqui do meu lado.

Sentei ao lado dele, em outro tronco de árvore cortada na beira da estrada, eu não tinha mais medo de nada.

- Eu sou um orixá. Tenho uma vasta falange, sendo responsáveis por legiões de grandes energias, guardiãs de antigos mistérios da natureza, conhecedor do mundo espiritual e suas variações de energias poderosas que atuam no universo.

- Um orixá é igual a um santo da igreja católica?

- Se você acha assim, podemos considerar. Cada um tem sua história, uns viram santos, outros reencarnam e vão para umbanda, outros vão ser kardecistas. Cada um com sua fé e religião.

- Se você é um orixá é da religião de matriz africana? Estudei isso na faculdade.

- Sim. Faço parte do Candomblé.  Essa religião nasceu aqui no Brasil com a vinda dos escravos, mas já existe há muitos anos no mundo todo. Eu mesmo nasci no século passado em Paris.

- Infelizmente essas religiões sofrem muitos preconceitos. As pessoas não conhecem, acreditam nas diversas histórias e tem medo. Todo mundo tem medo do que não conhece.

 - Isso, é o sincretismo dos Orixás, que vieram da África e aqui foram misturados com os santos católicos, pois os antepassados negros não podiam adorar seus orixás, por exemplo, quando rezavam para São Gerônimo, estavam mesmo era louvando a Xangô.

- Lembrei-me da virada do ano, que todos vão pular sete ondas e pedir proteção para Iemanjá, que para muitos é a Nossa Senhora dos Navegantes. Gente que faz isso e depois critica as religiões de matriz africana, vai saber.

- Nossa religião também tem rituais, assim como em todas as igrejas. Nos terreiros, após as louvações, rezas e pedidos, chamam a entidade que irá vir para os trabalhos, são entoadas cantigas especiais, têm festas, bebidas e comidas também.

- Obrigada pela conversa, aprendi muito com o senhor, mas tenho que ir, já está ficando tarde.

- Boa noite, bonequinha. E não esqueça que você conversou com o Exu Tiriri da Calunga.

- Moça, moça, acorda, chegamos, teu namorado está ali te esperando! Disse o cobrador batendo no meu ombro, no ônibus.

- Acordei e vi pelo vidro do ônibus, um senhor com seu chapéu e fumando um charuto ao lado do meu namorado, os dois sorrindo pra mim.



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