MULHERES NEGRAS ESCRITORAS



MULHERES NEGRAS ESCRITORAS

 

Por Sissa Moroso (25/072020)

 

A luta das mulheres brasileiras sempre foi decisiva na conquista da cidadania, dos direitos sociais e na ampliação da participação nos mais diversos setores da vida social, profissional e política. Na história do Brasil, vimos que a sociedade reproduziu as relações desiguais de gênero, de raça e de classe, mas que ainda na atualidade, temos muito a lutar para ampliação de nossos direitos.

As primeiras publicações femininas foram no século dezenove, claro que com pseudônimos masculinos, porque a mulher deveria ser a “recatada e do lar”, nada de escrever ou publicar livros, pois a sociedade patriarcal não acreditava no poder intelectual feminino.

Mesmo com todos os preconceitos, o mercado editorial foi abrindo as portas para as escritoras e que por elas mesmas, estão sendo amplamente divulgadas nas redes sociais, nas academias e associações de escritoras, nas associações literárias espalhadas pelo país, bem como a sororidade entre as mulheres.

Mas em outras épocas, as mulheres negras escritoras, não tiveram a visibilidade merecida, quero começar falando de Rosa Maria Egipcíara da Vera Cruz, que nasceu em Costa da Mina, no Continente Africano, em 1725, com seis anos de idade, veio no navio negreiro, após ser capturada pelo tráfico dos negros, desembarcou no Rio de Janeiro. No Brasil aprendeu a ler e a escrever na “língua do dominador”. Uma mulher negra, que viveu numa sociedade escravocrata, do século XVIII onde foi escrava e depois livre, e que sofreu todas as agruras do século, tinha ainda dons espirituais, tendo devotos e inimigos da inquisição. Escreveu “Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas”, considerado o livro mais antigo, escrito por uma mulher negra na história do Brasil. Sua vida inspirou livros, produções de artigos acadêmicos e pesquisas importantes para a literatura mundial.

Após 97 anos do nascimento de Rosa, no ano da independência, em 1822, nasceu a maranhense, Maria Firmina dos Reis, na ilha de São Luís, de pai negro e mãe branca (solteira), teve contato desde cedo com a literatura, morava na casa de uma tia materna e foi criada com seu primo Sotero dos Reis, que foi um gramático muito popular na época. Fez concurso público para professora de escola primária, onde foi aprovada no ano de 1847, exerceu o magistério por muitos anos e ao se aposentar fundou uma escola mista, mas teve que fechar após dois anos. Foi considerada a abolicionista negra que se tornou a primeira romancista do Brasil, publicou em 1859 o romance “Úrsula”. Ela publicou poesia, ensaios, histórias e quebra-cabeças em jornais e revistas locais, além de compor canções abolicionistas. Além dele, Maria Firmina escreveu também os romances “Gupeva” e “1863”. Publicou também o conto “A Escrava” e os livros de poemas “Cantos à beira-mar”, “Hino da libertação dos escravos”, “Ecos da Juventude”, entre outros. A escritora faleceu em 1917, pobre e cega. Suas obras literárias foram esquecidas por anos, mas em 1960 foi relembrada com a reedição do seu livro Úrsula.

              Depois de 79 anos, de Maria Firmina, nasce a catarinense Antonieta de Barros, em 11 de julho de 1901 em Florianópolis. Seu pai Rodolfo de Barros faleceu quando era ainda criança e sua mãe Catarina de Barros, criou a filha lavando roupas no rio. Foi alfabetizada aos cinco anos e aos dezessete ingressou na formação de professores e se formou em 1921. Foi professora e fundou sua escola denominada “Curso Particular Antonieta de Barros”, em 1922, e o dirigiu até o ano de sua morte (1952), destinado à alfabetização da população carente. Em sua vida sempre conviveu com o racismo por ser uma mulher negra, principalmente. Venceu preconceitos, mudou seu destino e tornou-se ainda escritora, jornalista e representante política reconhecida, sempre lutando em causa dos mais necessitados. Em 1920, iniciou atividades literárias no jornalismo e sua escrita tinha textos que defendia a educação, às mulheres, o preconceito racial e os desmandos da política. Antonieta escreveu o livro “Farrapos de Ideias”, em 1937, com o pseudônimo de “Maria da Ilha”. Foi a primeira Deputada Estadual negra do Brasil e a primeira Deputada mulher no Parlamento do Estado de Santa Catarina. Antonieta faleceu em 28 de março de 1952.

Em 1914, no dia 14 de março, nasce Carolina Maria de Jesus em Sacramento/MG. Era filha ilegítima de um homem casado e de uma lavadeira. Aprendeu o gosto pela leitura na escola aos seis anos, quando foi matriculada por uma freguesa de sua mãe.  A história de Carolina começou como a de tantos outros brasileiros: nascida na pobreza, desde pequena precisou se acostumar com as dificuldades da vida. Frequentou a escola por apenas dois anos, saiu da sua cidade natal em Minas Gerais e foi tentar a sorte em São Paulo, onde trabalhou como catadora de papel até ser descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, que leu seu diário e ajudou a publicá-lo. O sucesso de vendas foi tamanho que o livro ganhou uma tradução para o inglês nos Estados Unidos. Carolina Maria de Jesus ficou mundialmente conhecida pelo livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, publicado em 1960 e traduzido para 13 idiomas. Carolina foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil e é considerada uma das mais importantes escritoras do país. Foi também compositora e poeta. Sua obra permanece objeto de diversos estudos, tanto no Brasil quanto no exterior. Além de Quarto de Despejo, ela também teve as publicações, Casa de Alvenaria: Diário de uma ex-favelada, Pedaços de Fome, Provérbios e as obras póstumas como Diário de Bitita, Um Brasil para Brasileiros, Meu Estranho Diário, Antologia Pessoal, Onde Esta Felicidade, Meu sonho é escrever  Contos inéditos e outros escritos. Gravou o disco “Quarto de Despejo” com 12 faixas de samba.

               Valdina de Oliveira Pinto, conhecida como Makota Valdina e viveu em Salvador entre 1943 e 2019, quando faleceu. Foi professora da rede pública e membro do Conselho Estadual da Cultura da Bahia.  Foi também uma Anciã, educadora, líder comunitária e ativista brasileira. Valdina atuou boa parte da sua vida na luta pelo combate a Intolerância religiosa, como porta-voz das religiões de matriz africana, bem como dos direitos das mulheres, do meio ambiente e da população negra. Aos 69 anos, conta sua própria história no livro “Meu caminhar, meu viver”. Durante sua trajetória, lutou contra o racimo, a favor da igualdade de direitos e por uma sociedade sem preconceitos. Segundo a escritora, o livro teve o objetivo de fortalecer o mês da Consciência Negra, no entanto, ela fez questão de ressaltar que a Consciência Negra deve ser fortalecida todos os dias e anos. Frase dela muito conhecida: “Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados”.

             Em Belo Horizonte/MG, no dia 29 de novembro de 1946, (73 anos) nasce a romancista, contista e poetisa Maria da Conceição Evaristo de Brito.  De origem humilde, trabalhou como empregada doméstica até 1971 após terminar seus estudos na Educação Básica. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1973, foi aprovada para trabalhar no magistério. Estudou na Universidade Federal do Rio de Janeiro e formou-se em Letras. Ingressou no mestrado em Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro onde defendeu, em 1996, a dissertação “Literatura Negra: uma poética da nossa afro-brasilidade”. Logo após defende sua tese de doutoramento “Poemas Malungos - Cânticos Irmãos”, em 2011, na Universidade Federal Fluminense (UFF). Seus textos com o tema afrobrasilidade tem participação em diversas publicações nacionais e internacionais e antologias. Seu ativismo cultural no Grupo Quilombhoje, onde publicou seus textos na série Cadernos Negros. Autora dos livros “Ponciá Vicêncio”, “Becos da Memória”, do livro de poema “Poemas da recordação e outros movimentos” e dos livros de contos “Insubmissas lágrimas de mulheres”, “Olhos d´água”, “Histórias de leves enganos e parecenças”. Atualmente, Conceição leciona na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como professora visitante.

            No dia 13 de março de 1961 nasce em Minas Gerais Nilma Lino Gomes, (59 anos). Graduou-se em Pedagogia, fez mestrado em Educação pela UFMG, além de doutorado em Antropologia Social pela USP. Cumpriu estágio pós-doutoral na Universidade de Coimbra. Professora da Faculdade de Educação da UFMG e integrante da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN. Em 2013 e 2014 foi reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira – UNILAB –, tornando-se a primeira mulher negra a ocupar o cargo mais importante de uma universidade federal no Brasil. Foi Ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR no governo de Dilma. Em 2009, lança o livro infantojuvenil “Betina”  e o cabelo ressurge como símbolo identitário, agora pelas mãos de quem se dedica com esmero aos penteados afros e em 2013 lança o livro O menino coração de tambor. Recebeu diversos prêmios como Troféu Yalodê, do Projeto Raízes de Áfricas – III Festival das Palavras Pretas (2011); o Prêmio Zumbi de Cultura, da Fundação Clóvis Salgado/Companhia Baobá de Dança (2010); e o Projeto Memórias da Infância no Aglomerado Santa Lúcia-BH/MG, (2006).

             A escritora Maria Regina Chagas de Souza Viera é natural de Porto Alegre/RS, nasceu em 04/11/1961, reside em Criciúma desde os quatro anos. Fez graduação e especialização em Letras (UNESC). Atuou na educação por 27 anos na rede estadual de ensino de SC. Foi professora no Ensino Fundamental e Médio, secretária e diretora de escola, Articuladora das Classes de Aceleração e Responsável pela Biblioteca. Faz parte da diretoria da Associação de Jornalistas e Escritoras (AJEB/SC), participa do Projeto Com’Par Poesias. Participou de diversos concursos literários de SC tendo premiações e classificações, como ACle e Concurso “A poesia vai de ônibus”. Participou de diversas coletâneas com poemas e outros textos literários. Em 2020, lançou seu primeiro livro de contos, denominado “Elas”, que trata de contos sobre mulheres, com a diversidade de personalidades e a construção da mulher como protagonista na sociedade.

            Nossa última biografia é de Edenice Fraga, que nasceu na comunidade “Morro do Mocotó” em Florianópolis, no dia 03 de maio de 1967. Logo após seu nascimento a família mudou-se para o Bairro da Agronômica, filha do policial Valmir e mãe Vilma que era lavadeira. Na infância na escola declamava poemas e passava as tardes na biblioteca pública lendo livros de poemas, pois não tinhas esses livros em casa. Na adolescência fez curso de modelo, mas sentiu-se fora das oportunidades por ser negra, percebeu o preconceito das pessoas durante o curso. Curso Biologia na UFSC, mas antes de terminar prestou concurso para a Formação de Oficiais da Polícia Militar em 1988, concluindo e sendo a primeira mulher negra nessa profissão em seu Estado. Fez especialização em Gestão da Segurança Pública. Ocupou diversos cargos públicos como policial militar. Atuou em diversos conselhos, como o das políticas sobre drogas e da criança e adolescente. Foi palestrante desses temas durante muito tempo.  Em 2006, passou a ser membro da Academia de Letras dos Militares Estaduais de SC. É poetisa, contista, declamadora e escritora. Escreveu em diversas coletâneas e recebeu diversos prêmios, como Medalha Cruz e Souza Pela Prefeitura de Florianópolis e Troféu Mulher Destaque SC, pela ALB-SC. Faz parte de academias de letras é Membro do Le Comité Cultive, Club Internacional D’Arte Litterature et Solidarité – Brasil/Suíça. Atualmente é Tenente Coronel da Reserva Remunerada da PM/SC. Publicou os livros: “Traços de Antonieta”, “Pássaro Sublime” e “Eu conto com um conto: A História do Escravizado no Brasil”.

            Nesse texto, a biografia de Edenice é a última a ser referida, mas temos muitas mulheres negras escritoras que não caberiam aqui e não teremos a última, pois percebemos que de uma mulher para outra levaram às vezes quase 100 anos, para surgir outra negra escritora, mas muitas mulheres foram protagonistas do seu tempo, mesmo não escrevendo nada e não tendo visibilidade conhecida.

           Podemos falar de mulheres negras cantoras, slammer, escritoras e poetas, como Mel Duarte. Dizer que um dos livros mais vendido, sendo o mais vendido o “Pequeno Manual Antirracista” da escritora e ativista Djamila Ribeiro, que escreve e fala em suas conferências sobre o genocídio da população negra e estudos de gênero que propõe discussões sobre o racismo. Falarmos ainda de Giselle Marques, escritora, dançarina, palestrante da cultura afro-brasileira, ativista cultural e incentivadora das mulheres empreendedoras. Mulheres políticas como Mariely Franco, que lutava pela causa LGBT e pelas das mulheres negras na sociedade e morreu por pela causa que lutava.

         Outro dia escutei uma palestrante, que era uma mulher negra falando sobre sua vida e disse no final: “É pela educação que teremos dias mais suaves”, vimos que todas as escritoras tiveram acesso à educação e alfabetização que fizeram a diferença em suas vidas.

         Você encontrará aqui diversas autoras, de gêneros literários diferentes, escolha uma e procure ler uma obra e divulgue, pois a intenção é alcançar reconhecimento do público leitor e fazer com que as mulheres negras escritoras sejam de fato valorizadas, assim como sua luta!


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